Mulheres no Desporto

O desporto quebra barreiras, abre janelas, por vezes portas. Para as mulheres haverá sempre um duplo desafio no que concerne à prática do desporto, seja ela lúdica ou de alto rendimento. O desporto, ao longo da história, tornou-se num elo fundamental na busca da igualdade. Num deserto ideologicamente adverso às mulheres transforma-se muitas vezes em oásis. E mesmo numa democracia fulgurante, sempre sujeita aos autismos da antiguidade, rompe com ismos. Os oásis podem sempre expandir-se e os ismos podem sempre debater-se. No silêncio da performance desportiva há gritos que deitam paredes de betão abaixo

Toda a gente se lembra, nem que seja pelo cantinho do cérebro, de um vislumbre de Rosa Mota a ultrapassar a meta em Seoul, 1988, escrevendo uma das páginas mais bonitas do desporto português. Calção vermelho, camisola branca e um corpo franzino que se projetava para a eternidade através daquele sorriso inconfundível de quem tinha ganho mais que uma medalha: um povo, um lugar na história. Para uns uma vitória inesquecível, para outras isso e janelas finalmente abertas, aquelas de dobradiças teimosamente enferrujadas, daquele quarto cheio de mofo que sempre quiseram arejar.

Mas para que Rosa Mota pudesse tocar o Olimpo em 1988, uma outra notável portuguesa, muito antes, abriu as janelas das casas tradicionais portuguesas. E não foi para pendurar a roupa.

Carolina Beatriz Ângelo nasceu em 1878 e foi a primeira mulher portuguesa a exercer medicina no nosso país, mas também foi uma pioneira do desporto feminino em Portugal.

Em 1911, Carolina Ângelo tornou-se a primeira mulher portuguesa a jogar ténis em público, participando num torneio em Lisboa. Ela também foi uma das fundadoras do Lisbon Tennis Club, que foi um dos primeiros clubes de ténis em Portugal e um dos primeiros clubes de desporto feminino no país.

Além disso, Beatriz Ângelo, como é mais conhecida, também foi uma das primeiras mulheres portuguesas a praticar ciclismo, remo e automobilismo, defendeu o direito das mulheres a participar no desporto e a ter acesso às mesmas oportunidades que os homens. A sua coragem e determinação abriram caminho para outras mulheres portuguesas a seguirem os seus passos no desporto e em outras áreas.

Que outras áreas? Todas. Todas as áreas a que temos, ou devemos, ter direito. Republicana e sufragista, foi a primeira mulher a votar em Portugal nas eleições realizadas para a Assembleia Nacional Constituinte, no dia 28 de maio de 1911. Numa luta legal contra o código eleitoral da época, Beatriz Ângelo levou a sua avante recorrendo aos tribunais e usando as incongruências do quadro legal vigente. Nada mais seria igual.

Hoje tem o seu nome eternizado na história do país bem como no hospital, em Loures, a que dá nome.

As leis foram feitas para ser questionadas

Na história mundial do desporto Billie Jean King é um dos nomes mais conhecidos no panorama do ténis. Era uma proeminente defensora dos direitos das mulheres no desporto e fundou a WTA (Women’s Tennis Association) estando igualmente na génese do Virginia Slims Circuit, que ofereceu oportunidades a mulheres tenistas de competirem profissionalmente e ao mesmo tempo poderem fazer disso a sua atividade profissional.

Não é por acaso que o ténis é um dos poucos desportos em que o gap entre homens e mulheres é quase inexistente. Martina Navratilova, uma das melhores tenistas de todos os tempos, é outro grande exemplo não só na afirmação das mulheres no desporto mas também nos direitos LGBT. Uma das vozes mais intensas e eficientes contra a discriminação e desigualdade no desporto. O mesmo se pode escrever sore Serena Williams, que na senda de outras figuras históricas do ténis se tornou uma ativista da justiça racial.

Tudo para chegar à conclusão de que por detrás de cada triunfo, mesmo que não presenteado com uma medalha, há toda uma história que o sustém.

E voltamos à nossa Rosa Mota. Kathrine Switzer foi a primeira mulher a correr a emblemática Maratona de Boston enquanto corredora registada. À altura, em 1967, era proibida a entrada oficial de corredoras na prova. Mas Switzer contornou as regras e inscreveu-se na prova com as suas iniciais e último nome: “K.V. Switzer,”. Conseguiu correr a maratona quase até ao fim, até ao momento em que foi identificada por um juiz da prova e ser atacada fisicamente pelo mesmo. Foi defendida pelo namorado e outros participantes e pôde acabar a prova. A cobertura mediática encarregou-se de ampliar o acontecido. A discussão gerada foi enorme e, cinco anos depois, em 1972, foi concedida a possibilidade de também as mulheres correrem a maratona de Boston.

Voltamos à nossa Rosa Mota. Ela venceu esta maratona três vezes, em 1987, 1988 e 1990. Teria sido possível sem a coragem de Switzer? Talvez sim, talvez não. Nunca saberemos. Mas que as correntes da história feminina se entrecruzam com determinação ao longo do tempo é uma evidência. “Basta” que alguém questione a janela, a porta e o seu uso, a sua função, é daí que surge a força da mulher. Daí e de toda a história do mundo. Preponderante na história da humanidade é inacreditável como tantas correntes têm de quebrar para avançar nos seus direitos.

Um Mundo que avança e outro imutável

Em Abril a selecção nacional de futebol vai, pela primeira vez, disputar um campeonato do mundo. É um acontecimento mediático porque o futebol é… o desporto mais mediático do mundo. Ainda há dias Patrícia Mamona (Bronze) e Auriol Dongmo (Ouro) brilharam com as cores portuguesas nos Campeonatos Europeus de Pista Coberta de Atletismo.

Mas o futebol parece que reúne maior atenção e consensos e, por isso, o feito foi exacerbado nos media. Boas notícias. Ambas.

No Irão, estudantes, algumas delas desportistas, foram envenenadas nas suas escolas. O motivo? Segundo as notícias, ideologia, dogmatismo, religião.

Em Portugal, em duas décadas, o número de mulheres a praticar desporto federado mais que duplicou em duas décadas. E a tendência é de crescimento.

Podemos falar em igualdade, não discriminação e acesso livre ao desporto entre sexos. Mas a realidade é que a mulher enfrenta desafios diferentes. Mais desafios. Não só as expectativas que ainda se têm sobre a mulher na sociedade como a legislação que se âncora em ismos antigos. O caminho é longo. Por vezes há disrupções e o caminho é encurtado.

A mulher é a chave da vida, a chave do sucesso da história de um país, de um povo. É muita responsabilidade. Está na altura de partilha. Não só de direitos como de responsabilidades. E se nos primeiros a questão é de semântica e jurisprudência, na segunda é de berço e amor.

Precisamos de janelas abertas e, pelo menos, um pé entre a porta e a rua. Onde todos devemos poder correr livremente.

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